O retorno de um exemplar do Manto Tupinambá ao Brasil foi tema de destaque nos últimos meses no circuito dos museus brasileiros. O manto confeccionado com penas vermelhas do século XVI era parte da coleção etnográfica do Nationalmuseet, o Museu Nacional da Dinamarca, e foi doado para o Museu Nacional do Rio de Janeiro no âmbito de um esforço de recomposição do acervo vitimado pelo incêndio de 02 de setembro de 2018, no Paço de São Cristóvão. A mobilização do embaixador do Brasil na Dinamarca, Rodrigo de Azeredo Santos, foi instrumental para o sucesso do processo de repatriação.
“Nosso objetivo era que a sociedade dinamarquesa encarasse a devolução como uma cooperação cultural dos dois países para ajudar a reconstruir a instituição brasileira. Queríamos evitar debates sensíveis na Europa sobre a repatriação de artigos que pertencem aos povos originários de outros continentes. Por isso, todo o processo transcorreu em sigilo”, conta Santos.
A volta do Manto Tupinambá – https://piaui.folha.uol.com.br/volta-do-manto-tupinamba/
O antropólogo Rane Willerslev, diretor do Nationalmuseet, em nota oficial sobre a doação observou que
“as heranças culturais têm um papel decisivo nas narrativas das nações sobre si mesmas. É assim no mundo inteiro. Por isso, é importante para nós ajudar a reconstruir o Museu Nacional do Brasil depois do incêndio devastador de alguns anos atrás”.
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A cacica Maria Valdelice Amaral de Jesus em correspondência endereçada à direção do Nationalmuseet, no dia 29 de julho de 2022, escrevia:
“Os sonhos dos nossos ancestrais, que são também os nossos, seguem vivos. Amotara preservou em sua memória a lembrança da existência de um Manto Sagrado para o nosso povo. Nossos Mantos são ícones da nossa espiritualidade e, por isso, acreditamos que devem estar de pé e vivos, próximos ao seu povo de origem”.
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A Amotara mencionada acima é Nivalda Amaral de Jesus, mãe da cacica, quem travou o primeiro contato com o Manto quando esteve no Brasil por empréstimo em maio de 2000 para a Mostra do Redescobrimento Brasil +500, em São Paulo. Após o encontro com a relíquia de seu povo, Amotara declarou ao repórter da Folha que acompanhou sua visita à exposição:
“Somos tupinambás. Queremos o manto de volta.”
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Além da cacica Maria Valdelice, enviaram cartas para a direção do Nationalmuseet o cacique Rosivaldo Ferreira da Silva, o Babau, outro líder dos tupinambás de Olivença, e a direção do Museu Nacional do Rio. Esses três documentos foram entregues pelo embaixador a Rene Willerslev. Sensibilizado pelas correspondências, o diretor do Nationalmuseet elaborou um parecer favorável à devolução da peça e apresentou a reivindicação dos brasileiros aos seis membros do conselho do museu dinamarquês. Os conselheiros recomendaram que a relíquia fosse doada ao Ministério da Cultura da Dinamarca. Finalmente, em 31 de maio de 2023, o ministro Jakob Engel-Schmidt autorizou a volta definitiva do manto ao Brasil.
A importância cultural e artística do Manto Tupinambá
Como primeiro povo a fazer contato com os portugueses quando desembarcaram no Brasil em 1500, os Tupinambás impressionaram os europeus com sua cultura e sua arte. A documentação desse encontro original é significativa, e reverbera de maneira
Os relatos sobre as práticas ritualísticas antropofágicas atribuídas aos Tupinambás por Hans Staden e Jean de Léry, difundidas nas xilogravuras de Théodore de Bry, alimentaram a curiosidade sobre o “Novo Mundo” e moldaram a visão do “homem selvagem” no imaginário europeu.
O Manto Tupinambá – Pensar a História (Thread Reader) – https://threadreaderapp.com/thread/1669459644836708352
A originalidade e exuberância da arte plumária dos povos Tupinambás impressionou os portugueses de maneira especial, e o manto com as penas vermelhas da ave Guará ganhou status de patrimônio artístico do novo mundo. Torna-se item de destaque no comércio atlântico, e pode ter chegado ao continente europeu por meio de saques e relações diplomáticas, ou mesmo através de intercâmbio direto com os Tupinambás.
Um exemplo de troca de presentes que ocorreram entre os indígenas e os conquistadores durante o século XVI foi documentada pelo capelão franciscano André Thevet, que acompanhou o explorador francês Nicolas Villegagnon na expedição para o estabelecimento da França Antártica* (1555-1570). Em suas crônicas, André Thevet relata como as trocas entre os franceses selavam a aliança que viabilizou o estabelecimento de uma colônia francesa na região da Baía do Rio de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil, no século XVI.
Um exemplar do manto foi levado para a Europa pelo próprio André Thevet que, em seus escritos, declarou estar impressionado com a criatividade dos nativos. Ele registra que recebeu o artefato diretamente de Cunhambebe, principal liderança Tupinambá na época, juntamente com outros objetos pessoais.
A relevância cultural do Manto Tupinambá se manifestou em obras de arte que expressam o fascínio que as peças exercem nas cortes europeias. Uma aquarela alemã datada de 1599 (acima) retrata uma espécie de desfile de membros da corte durante uma cerimônia festiva em Stuttgart, onde é exibido um exemplar do manto emplumado.
A trajetória transcorrida pelos mantos da cultura Tupinambá até os museus da Europa envolveu, em alguns casos, personagens históricos identificáveis. O conde Johann Moritz von Nassau-Siegen, que foi o governador holandês do Brasil e ficou conhecido como Mauricio de Nassau, foi também um colecionista e atuou no tráfico dos mantos. O óleo na imagem abaixo representa sua sobrinha Sofia de Hanover, adornada com vestimentas que fazem alusão ao manto — pintura realizada no ano de 1652 por sua irmã, Luísa Holandina do Palatinado.
Em todos os registros do Manto Tupinambá através da história, a relíquia se apresenta como exemplo notável da habilidade e da sofisticação artística dos povos orginários brasileiros. A complexidade técnica e a estética vibrante dos mantos tupinambás refletem não apenas a destreza manual, mas também a profunda conexão cultural e espiritual dos indígenas com a natureza. Neste momento de retorno ao Brasil, emerge como testemunho da rica tradição artesanal e da identidade cultural dos povos originários brasileiros, destacando-se como símbolo de resistência e valorização das culturas indígenas frente aos desafios históricos e contemporâneos.
Metadados
- Descrição
- Possui um gorro e uma capa, que constituem um único traje. As penas de guará se encaixam sobre uma base de fibra natural, parecida com uma rede de pesca.
- Material e Técnica
- O manto é feito de penas de aves nativas, como o guará, e fibra vegetal.
- Confeccionado com plumagem de Guará fixada em uma trama de fibras naturais utilizando uma técnica de costura ancestral dos povos originários do Brasil, o manto tupinambá pode ser visto objetivamente, por quem não faz parte da comunidade indígena, como uma obra de arte, uma forma de expressão artística.
- Tamanho
- mede 1,2 metro de altura por 60 cm de largura.
- Origem
- O manto tupinambá é uma vestimenta sagrada para alguns povos indígenas brasileiros.
- Uso
- Os tupinambás usavam vestimentas do gênero em ocasiões formais, como as assembleias, os enterros de pessoas queridas e os rituais antropofágicos, a celebração mais imponente promovida por eles no período colonial. É um símbolo de poder e liderança entre os Tupinambás.
- Estado de Preservação
- Adequado
- Localização
- Em 2024, o item aqui descrito foi devolvido pelo Nationalmuseet, e encontra-se na Biblioteca do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
- Outros dez mantos semelhantes, também confeccionados com penas de guará, continuam expatriados em museus europeus, segundo levantamento feito pela pesquisadora norte-americana Amy Buono, da Universidade de Chapman. Apenas no Museu Nacional da Dinamarca, existem outros quatro além do que foi devolvido ao Brasil.
- No Museu de História Natural da Universidade de Florença (na Itália), existem outros dois. Há também mantos tupinambás guardados no Museu das Culturas, em Basileia (na Suíça); no Museu Real de Arte e História, em Bruxelas (na Bélgica); Museu du Quai Branly, em Paris (na França); e na Biblioteca Ambrosiana de Milão (na Itália).
- Doação
- Em julho de 2024, um dos mantos tupinambás que estava na Dinamarca foi devolvido ao Brasil. A doação foi feita pelo governo da Dinamarca e o manto ficará no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
- História
- O manto que foi devolvido pelo Nationalmuseet possui mais de 300 anos.
- O museu de Copenhague não sabe informar quem trouxe a peça sagrada para a Dinamarca nem por quê.
- O manto tupinambá é um símbolo da memória, da arte, e da resistência do povo indígena Tupinambá.